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Para Refletirmos

O pensamento comunista me trás sentimentos de profundo amor. É como as gotas de chuva para as plantas depois de um longo período de estiagem: vem para purificar e dar lugar a nova estação.

Miriam Pacheco S. Seixas

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

LIVRO QUE FAZ CHORAR


UM TEXTO NÃO INTERPRETADO PERMANECE VIVO PARA SEMPRE

Por: Rubem Alves

Uma livreira me contou. Um pai foi à sua livraria e comprou o livro O patinho que não aprendeu a voar, para seu filho. No dia seguinte, voltou muito bravo. “Meu filho chorou ao final do livro. Ainda chora quando se lembra do patinho que não aprendeu a voar. Isso é livro que se dê a uma criança?”

Eu compreendo. Ele quer que seu filho só tenha alegrias. Ele quer que os livros que seu filho lê sejam engraçados e façam rir. As crianças não deveriam ler livros que fazem chorar.

Mas tristeza não é coisa ruim. A poesia brota da tristeza. Alberto Caeiro escreveu:


“Mas eu fico triste como um pôr de sol

Para a nossa imaginação

Quando esfria no fundo da planície

E se sente a noite entrada

Como uma borboleta pela janela

Mas minha tristeza é sossego

Porque é natural e justa

E é o que deve estar na alma...”

Escrevi muitas estórias alegres e que fazem rir. Mas as que mais amo são aquelas que fazem chorar.


Por que é que o menininho chorou ao ler a estória do patinho que não aprendeu a voar? Porque sentiu aquilo que minha neta sentiu. Ela falou, em meio às lágrimas: “Vovô, eu não consigo ver uma pessoa sofrendo sem sofrer. Quando vejo uma pessoa sofrendo o meu coração fica junto ao coração dela...” ela e o menininho sentiram compaixão. Seus corações ficaram junto ao coração de alguém ou de algum bichinho que estava sofrendo. Sofreram um sofrimento que não era seu.

Como ensinar a compaixão? De que vale conhecimento sem compaixão? Somente o conhecimento com compaixão cria a bondade. E uma sociedade que não existe

a bondade não é digna de que vivamos nela. Como a nossa, em que a bondade foi espremida nos cantos e as ruas se encheram de medo.


Gandhi relata que a experiência que mudou o seu coração foi a leitura de um livro. Ele era ainda adolescente. O livro comoveu tanto que ele queria ser como o herói, nobre e generoso. Esse sentimento o acompanhou pelo resto da vida. Seu coração ficou junto ao coração do herói. E não importava que o herói nunca tivesse existido, que fosse apenas uma ficção literária. Pois é isso que a literatura faz: se desprega da vida real para dar-lhe um sentido.


Livros engraçados são bons. O riso tem sua função de mostrar que o rei está nu. Mas não conheço nenhum caso de uma pessoa que tenha sido transformada por um livro engraçado. O riso provoca critica, mas não provoca compaixão.


Pensei então que essa poderia ser uma das maneiras de ensinar compaixão: lendo para o aluno ouvir. Mas para que as estórias façam os seus milagres é preciso que o ouvinte seja possuído pelas palavras e levado ao sabor da voz de quem lê a estória.


Fiquei então pensando que seria melhor que gastássemos menos tempo com gramática e análise sintática, e mais tempo com a leitura. É na leitura que se aprende a língua. Leitura sem testes de compreensão, sem interpretações, o que é que o autor queria dizer etc. Pura emoção. Um texto não interpretado permanece vivo para sempre, porque permanece como um enigma que nos comove todas as vezes que o lemos. Mas um texto interpretado é um texto esgotado do seu mistério, esquartejado sobre a mesa de anatomia da linguagem.


Gostaria de conversar com o pai do menino que chorou a ler O patinho que não aprendeu a voar. O menino entendeu. Sentiu compaixão. Mas o pai não entendeu. Não chorou. Ou, quem sabe, ele ficou bravo não pelo choro do seu filho, mas por ter, ele mesmo, sentido vontade de chorar – mas não chorou de vergonha...

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